quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O BRUXISMO INFANTIL: da Bruxaria à Ciência.

                                              
Até pouco tempo atrás, cerca de 20-30 anos mais ou menos, o bruxismo era um problema raro de acontecer na infância. Entretanto, com o estilo de vida das famílias urbanas e as crescentes demandas e exigências impostas às crianças cada vez mais cedo, vemos o bruxismo se manifestar como uma situação frequente em tenra idade.
O termo “bruxismo” origina-se da palavra grega “brychein”, que significa triturar ou ranger os dentes e do sufixo “mania”, isto é, compulsão. Foi citada na literatura odontológica pela primeira vez em 1907 por Marie Pietkiewicz, que utilizou a expressão LA BRUXOMANIE (bruxomania). A partir de 1930 o termo bruxismo se consolidou e passou a ser mais utilizado.
As referências mais antigas a que temos acesso são aquelas descritas na Bíblia, que apresentam o ranger de dentes acompanhado a sentimentos de sofrimento intenso, como ódio, angústia, medo e punição divina. Havia também aqueles que relacionavam empiricamente esta disfunção à presença de vermes e outros parasitas, ou então à existência de bruxas, espíritos ou demônios .
Por definição, o bruxismo é um hábito involuntário, espontâneo e inconsciente, ou melhor dizendo, uma parafunção caracterizada pelo excessivo apertamento e/ou ranger dos dentes em movimentos não mastigatórios da mandíbula, ocorridos tanto durante o dia como durante a noite. Este quadro pode levar a sobrecarga e complicações nas estruturas do sistema estomatognático.
O bruxismo pode ser classificado como cêntrico, relacionado ao apertamento, ou excêntrico, caracterizado pelo ato de ranger e deslizar os dentes em lateralidade e/ou protrusão. É considerado internacionalmente como uma desordem do sono, podendo se manifestar em diferentes graus (leve, moderado ou severo).
A etiologia desta parafunção é, muitas vezes, complexa e multifatorial, sendo que seu mecanismo ainda não foi completamente elucidado. A seguir, estão relacionadas as principais causas citadas na literatura:
- desequilíbrio oclusal (interferências, contato prematuro, trauma oclusal), maloclusão, diminuição da dimensão vertical e disfunção temporomandibular;
- desequilíbrio aminérgico do sistema nervoso central;
- hereditariedade/genética;
- transtorno clínico, neurológico ou psiquiátrico (paralisia cerebral, síndrome de Down, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, bulimia);
- fatores iatrogênicos (uso ou retirada de substâncias ou medicamentos, excesso de material restaurador);
- relação com outros transtornos do sono (síndrome das pernas inquietas, distúrbio comportamental do sono, ronco e apnéia do sono; falta de higiene do sono, estímulos visuais excessivos por televisão, computador e vídeo games antes de dormir, sonambulismo, terror noturno, pesadelos, enurese noturna, falar dormindo, baba);
- aspectos emocionais e psicológicos individuais (ansiedade, agressividade, hiperatividade, agitação, estresse, tensão muscular, cobranças excessivas, frustração, competitividade, depressão, medos, hostilidade, problemas familiares, crises existenciais, sentimentos reprimidos, raiva, problemas de alfabetização e aprendizagem, problemas de inadequação, timidez, dificuldade de relacionamento social, insegurança, grande senso de responsabilidade e auto-disciplina, tristeza, irritabilidade, impaciência);
- respiração bucal e patologias respiratórias de repetição (rinite, sinusite, bronquite, asma, hipertrofia de adenóides e amígdalas);
- alterações posturais (postura de cabeça baixa e anteriorizada, alterações musculares na língua);
- hábitos orais (morder objetos, lábios, roer unhas, mascar chicletes) e de sucção não-nutritivos (chupetas, mamadeiras, chuquinhas);
- dieta pouco consistente, hábitos alimentares incorretos (excesso de produtos industrializados, com açúcares, corantes/conservantes, cafeína...);
- disfunções urológicas, desordens endócrinas (hipertireoidismo) e outros fatores sistêmicos (deficiências nutricionais, vitamínicas, de cálcio e magnésio, infecções intestinais parasitárias, distúrbios gastrointestinais decorrentes de alergia alimentar, disfunção renal, cefaléia, dor de ouvido);
- outros fatores: privação do contato materno, parto cirúrgico.
Uma vez que a cavidade bucal possui um forte potencial afetivo, além de ser um local privilegiado para a expressão de impulsos reprimidos, emoções e conflitos, o bruxismo pode ser considerado uma resposta de escape. Dessa forma, algumas crianças, por não conseguirem satisfazer seus anseios, desejos e necessidades, acabam por ranger os dentes.
Poucas são as pesquisas publicadas na literatura científica sobre o bruxismo infantil. Estima-se uma prevalência em torno de 30%, aumentando significativamente com a idade.
Quanto maior o prolongamento da amamentação, menor ocorrência da parafunção (FERREIRA, TOLEDO, 1997).
O diagnóstico muitas vezes é feito pelos próprios pais, que observam este comportamento em seus filhos, especialmente durante o sono, ou então, no período em que os primeiros dentes começam a nascer, por volta de um ano de idade. Antonio et al. (2006) creditam à imaturidade do sistema neuromuscular a causa do bruxismo em bebês.
Outros tantos casos podem ser descobertos pelos profissionais, em consultas odontológicas de rotina, ao serem observadas facetas de desgaste anormais generalizadas nos dentes. Casos mais severos podem levar à mobilidade, necrose pulpar, formação de fístula, contribuindo para acelerar a rizólise e provocar alterações na cronologia de erupção dos dentes permanentes. Outras consequências são migração dental; fraturas de cúspides, raízes e restaurações; hipersensibilidade; lesões na língua; mucosa e lábios. Também é possível verificar a presença de hipertrofia e dor em alguns músculos faciais e mastigatórios, além de dor, desgaste e disfunção na articulação temporomandibular. Radiograficamente, observa-se o aumento do espaço pericementário e o espessamento da lâmina dura.
Constatado o problema, é importante que sejam levantadas o maior número de informações possíveis junto aos pais, como a história médica pregressa e atual, os hábitos e práticas alimentares, rotina e higiene do sono, queixas de dor, relacionamento familiar/social, mudanças na rotina (mudança de casa/escola, nascimento de um irmão, morte, conflitos), processos inerentes ao desenvolvimento (parto, amamentação, hábitos orais, desmame, desfralde, escolarização...) e avaliação do perfil psicológico da criança para selecionar a melhor forma de intervenção de forma individualizada.
Os tratamentos propostos para o bruxismo precisam abranger vários aspectos: o dentário, o médico e o psicológico. E passam por toda a forma de criação e rotina da criança.
O uso de medicamentos se mostrou ineficaz, visto que sua suspensão acarreta o retorno dos sinais e sintomas. A indicação de suplementos vitamínicos contendo magnésio foi aventada, mas necessita de mais pesquisas clínicas que comprovem riscos x benefícios do seu uso. Aconselhamento e/ou psicoterapia, quando bem executados, podem ser muito válidos na redução ou cura do bruxismo. Fisioterapia, fonoaudiologia e técnicas de relaxamento também são sugeridas como medidas terapêuticas.
Na Odontologia, podem ser realizados os ajustes oclusais para eliminar interferências, placas de mordida ou outros tipos de aparelhos e técnicas ortopédicas funcionais ou ortodônticas.
As placas interoclusais protegem os dentes e outras estruturas do desgaste, mas possuem um efeito temporário, pois necessitam que a função e a coordenação muscular sejam recuperadas paralelamente. Elas não impedem que o apertamento nem a atrição dos dentes aconteça. A tensão da musculatura mastigatória e os circuitos neurais patológicos permanecem, levando ao desgaste ou fratura da placa. Assim, torna-se um paliativo pouco eficaz a longo prazo.
O uso de Pistas Diretas Planas tem se mostrado como a melhor opção terapêutica para estes casos, já que está presente em tempo integral,sem atrapalhar a fala e a mastigação da criança, e evitando o desconforto que seria usar um aparelho, ao mesmo tempo em que atua como estímulo funcional e promove o crescimento e desenvolvimento das bases ósseas. Crianças tratadas com esta técnica apresentam alívio da musculatura facial, atenuação dos movimentos do bruxismo e eliminação dos desgastes dos dentes e fraturas. O padrão neuro-oclusal habitual é modificado (acompanhe logo abaixo um caso clínico ilustrativo).
A correção da maloclusão ou a obtenção do equilíbrio oclusal funcional funcionam como um fator-chave para o sucesso do tratamento. Nesse caso, a Ortopedia Funcional e a Ortodontia podem ser necessárias a médio e longo prazo.
Medidas simples e básicas, como realizar a higiene do sono e melhorar os hábitos alimentares, são fundamentais. O parto normal, a amamentação e o desestímulo aos hábitos orais nocivos se mostram claramente como formas primárias de prevenção a esta e outras tantas desordens do sistema estomatognático. Ainda, respeitar o processo de desenvolvimento infantil, agir com empatia e acolhimento frente às necessidades físicas e emocionais da criança e evitar atitudes que estimulem uma independentização precoce são de grande valia, auxiliando no tratamento ou mesmo evitando o surgimento do problema.
Este é um assunto de âmbito multiprofissional e que deve ser seriamente considerado à medida que afeta a saúde, a estética, o crescimento e desenvolvimento, o bem-estar integral da criança e sua qualidade de vida.
E afinal de contas, já dizia o ditado:
«No creo en brujas, pero que las hay, las hay»...


Caso clínico: paciente do sexo masculino, 5 anos de idade, mordida profunda (com diminuição da dimensão vertical), bruxismo, atrofia funcional mastigatória (de 2º. grau).


Tratamento: intervenção com pistas diretas Planas e orientação mastigatória. As pistas são feitas em resina fotopolimerizável, idênticas às usadas em restaurações, apenas nos dentes posteriores (molares decíduos). Foi realizado o levante da mordida e o destravamento da oclusão, permitindo o reequilíbrio oclusal funcional e estimulando o correto desenvolvimento do sistema estomatognático.  O bruxismo desapareceu em menos de 4 meses após a terapêutica.



Acompanhamento: Paciente aos 18 anos, com dentição permanente completa e bom equilíbrio oclusal, sem ter recebido nenhum outro tipo de intervenção ortopédica ou ortodôntica.


Avaliação funcional: realização dos movimentos de lateralidade com equilíbrio do ângulo funcional mastigatório (AFMP), demonstrando a harmonia oclusal e estética obtidas. Sem recidiva dos sinais e sintomas de bruxismo.

* Texto baseado na monografia de Especialização em Ortopedia Funcional dos Maxilares de Cristina S. C. Mariotti, orientada pelo Prof. Antonio Fagnani Filho, Ciodonto, 2011.
Referências citadas:
 FERREIRA, MIDT; TOLEDO, AO. Relação entre tempo de aleitamento materno e hábitos bucais. Rev ABO Nac, v. 5, n. 6, p. 317-20, 1997.
ANTONIO, AG; et al.Bruxism in children: A warning sign for psychological problems. J Can Dent Assoc, v. 72, n. 2, p. 155-60, 2006.








Um comentário:

  1. Andréia, querida, nem estava sabendo que tinha feito um blog! Que bacana! Vou passar sempre por aqui!

    Esse assunto, Bruxismo, particularmente me interessa...Luiza melhorou bastante! E de uns tempos pra cá, não tenho mais notado ranger de dentes com frequencia. Acontece raramente. Estou observando.

    Estou com suas indicações dos profissionais que trabalham com a terapia de pistas diretas, e planejo uma consulta para avaliação do caso dela.

    Adorei o blog! Um beijo e obrigada por suas valiosas informações, que nos ajudam tanto!

    ResponderExcluir